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Foto do escritorJefferson W. Santos | Ad Astra

BELONGINGNESS



Um dos maiores desafios que enfrentei ao longo de minha carreira foi o de estimular os colaboradores a manterem o moral elevado e a produtividade em alta em meio a uma variada gama de condições ruins de apoio ao trabalho.

Minha primeira atividade de liderança foi a de ser o auxiliar de chefia em uma garagem onde éramos os responsáveis pela preservação e pela operacionalidade de uma grande quantidade de veículos antigos, pouquíssimos novos, equipamentos de apoio ao embarque e ao desembarque de pessoas e de cargas nas aeronaves orgânicas e as de organizações externas. Eventualmente até disponibilizávamos alguns equipamentos de apoio às aeronaves, escadas para passageiros ou pranchas de carga para empresas privadas.

O cenário era uma base aérea (Base Aérea do Recife) em frente ao Aeroporto Internacional do Recife), ambos castigados pelo vento constante com a maresia, por estarmos próximos ao mar, o que acelerava a degradação física de componentes, equipamentos, estruturas físicas edilícias etc.

A ambiência era composta de ruído que era constante pois, na época, as empresas privadas (VARIG, VASP e TRANSBRASIL) operavam as antigas aeronaves Boeng 737-200, cujo estrondo ensurdecedor do uso do freio aerodinâmico (o “reverso”), ecoava em todos os cantos dos dois hangares. Melhor dizendo, quem sabe até nas “entranhas das células”. Esse uso do reverso era acompanhado pelo vapor do querosene de aviação queimado, o que tornava o ambiente absolutamente insalubre.

Esse era o nosso dia a dia. Tínhamos que dar conta dos vários projetos, inúmeras atividades não só operacionais, como administrativas e de segurança orgânica das edificações e dos bens ao longo do perímetro que compunha a área militar.

Aliado a esse desconfortável cenário ainda tínhamos que conviver com equipamentos ultrapassados, embora não obsolescentes, com eternas restrições de recursos financeiros, uma vez que o orçamento público de organizações militares era sistemática e constantemente “contingenciados” (enviados em “conta-gotas” que tinha um nome elegante de “duodécimo”).

A força de trabalho, em sua maioria, era composta de jovens sargentos, poucos cabos e muitos soldados. Nessa categoria específica, tínhamos os recrutas ou os soldados de “segunda-classe” (início da hierarquia formal) oriundos do maravilhoso projeto nacional que é o Serviço Militar Obrigatório. O soldo era baixo, contudo, em compensação, o rancho era sofrível e a carga de trabalho diária, que não era pouca, era encimada por serviços de “escala”, os famigerados “24 por 48” ou seja, um dia inteiro no quartel com o serviço de guarda e de segurança (plantões noturnos) e dois dias de folga...deixa estar que a folga não era em casa, mas nos setores de trabalho, com muita atividade e, para descansar, capinagem ou varrição. E por falar de ‘serviço de plantão” o pernoite nos alojamentos era brindado com a irrefragável presença dos pernilongos (“muriçocas”), o que tornava cada militar de serviço um “sobrevivente”.

A vida era, de fato, dura para os soldados. Não havia “malabarismos inclusivos” que tornassem a situação confortável.

Das funções na garagem fui brindado com a de auxiliar do setor de “apoio” (equipamentos e ferramentaria”) à manutenção e aprestamento das aeronaves (aviões e helicópteros)...dentro dos hangares com o perfil acústico acentuado para acomodar os barulhos dos reversos e das decolagens dos “737-200” e um “Túnel de Venturi” que acelerava o fluxo do bafo morno do querosene queimado. Naquele setor, além da produtividade, o cuidado tinha que ser redobrado em função da prevenção de acidentes, de trabalho e aeronáuticos.

Enfim, o desafio de manter jovens cidadãos, militares, motivados e comprometidos com a qualidade, a produtividade e a segurança era enorme. Muito difícil aquele desafio. Como, ainda jovem, tinha a expectativa de ser soldado paraquedista ou fuzileiro naval, eu me identificava muito bem com os soldados e sargentos mais novos. Ainda assim, terminar o dia sem acidentes e com o “produto entregue” era a nítida sensação de “matar um leão por dia”.

Chegava em casa pensando em como manter “a tropa” motivada em meio a tantas dificuldades e desafios.

A vida e o destino me levaram à especialização em prevenção e acidentes aeronáuticos. Por esse viés, tive sucesso em um concurso interno e fui, ainda como tenente novo, realizar um curso em prevenção e investigação em acidentes aeronáuticos em Dothan, no Alabama – USA. E lá, na escola de formação de pilotos de helicópteros do Exército Americano, foi onde tive maravilhosas experiências, tanto profissionais como pessoais.

O elenco de professores naquele curso era, em maioria, militares, e dos militares todos tinham sido pilotos de helicóptero no Vietnam. Alguns, até, “handcaped” devido a feridas na guerra mas, ainda assim, na ativa servindo. Os demais professores civis tinham o mesmo “tônus” de vibração, tendo sido, ou não, militares um dia. Enfim, todos encerravam suas aulas com a frase: “Servce before self!” (“Servir antes de pensar em si.”) De fato, era um “mantra”. Dito por todos de forma tão natural, aquele mantra se aderiu a minha personalidade profissional. Era inevitável.

Iniciei o curso ouvindo uma história que todos americanos no quartel gostavam muito. Fato verídico dando conta que o, então, Presidente Kennedy, ao visitar o Centro de Lançamentos da NASA, na Flórida, abandonou a comitiva que lhe acompanhava e foi falar com um zelador que passava cuidadosamente o esfregão em um corredor impecavelmente limpo.


Ao se aproximar falou: “Olá, eu sou o Jack!”. “O que você está fazendo”? Perguntou impressionado com o zelo do faxineiro. Ao que o mesmo respondeu: “Bem, Senhor Presidente, estou ajudando a colocar o homem na Lua!”. “Belongingness!” Era o brado que o instrutor deu ao concluir sua narrativa: PERTENCIMENTO! O senso do pertencimento a uma missão maior, um bem mais nobre.

Naquele momento veio a fagulha de minhas constantes perguntas e expectativas. O “eureka de Aristóteles”: O pertencimento!! Como fazer meus colaboradores se sentirem INCLUÍDOS em um “grande projeto”, pertencentes a uma missão maior? Me dei conta de que essa era a chave, a resposta mas, também, um enorme desafio.

Quando retornei ao Brasil, findo o curso, as atividades não tiveram nenhum tipo de redução de carga de trabalho, tampouco de insalubridade. Contudo a cobrança de meus superiores era bem maior, pois já era um jovem oficial com um “curso de aperfeiçoamento internacional” e as cobranças e indiretas eram constantes.

A solução imediata que encontrei foi a de fazer um inventário de tudo o que era necessário para que os militares em situações degradantes “entregassem” seus resultados, com eficiência e com qualidade. Como seria pouco convincente partindo de um tenente novo, procurei “adubar” aqueles relatórios com notas e observações pertinentes às diretrizes e às normas, tanto as administrativas e as operacionais, especialmente aquelas voltadas para a segurança aeronáutica. Era o “pedir porque estava “previsto”. Ou seja, não estava inventando e sim cobrando a contrapartida dos superiores.

Bem, claro que incomodei, e muito. Todavia tive o mérito de ver que os colaboradores se sentiam protegidos, prestigiados e “incluídos” pois o chefe estava fazendo o que podia e o que não podia para poder melhorar a situação de trabalho, a ergonomia e o conforto deles.

Uma vez que eles presenciavam aquele esforço, ao qual me referia nas reuniões diárias de início de expediente, nas formaturas (reuniões de “alinhamento”), ficou bem mais fácil me aproximar deles como um militar, e não como apenas o chefe. Muitas vezes eu os ombreava nas atividades, sobretudo na falta de efetivo.

Passei a falar para eles, com mais profundidade, acerca de nossa missão militar e operacional. Procurava contextualizá-los sobre o que tínhamos a fazer, o que tínhamos que entregar e lhes explicava a “Big Picture” – os motivos pelos quais a “nossa parte” tinha que ser bem-feita para permitir a continuidade dos demais processos, atividades e projetos.

O curioso e que a cada dia tinha em meu setor de trabalho outros militares de outros setores que queriam ouvir o tenente falar. Aquilo para mim foi muito bom, pois foi uma assertividade que procurei tornar a “marca”, a “grife” do setor onde trabalhávamos. Como era um dos mais novos (o “mais moderno”) o setor era um tipo de “boca pobre” do qual a maioria dos oficiais mais antigos queriam distância.

Certo dia, no almoço no rancho (refeitório), um oficial bem mais antigo me abordou. Ele já havia trabalhado no mesmo setor muitos anos antes. Ele, então, pertencia a outra organização militar diferente. Ele me abordou declarando-se curioso para saber a “fórmula” que eu usava, pois ele por já conhecer por ter tido experiência no mesmo setor, exatamente no lugar eu então eu ocupava, ficou perplexo ao ouvir dos militares que lhe eram subordinados, “boas falas” sobre o “brifim do Tenente Jefferson”.

Quando percebi, já estava acompanhado de outros oficiais também curiosos em saber da “fórmula” e ao insistirem respondi: “Não há fórmula!”. “Não há nada de anormal no que faço com eles. Apenas os reconheço como profissionais interessados e dedicados, muito além de meros soldados.” Pelo visto, eles não faziam o mesmo e seus subordinados ao “comentarem” de alguma forma questionavam os motivos pelos quais eles não faziam o memos que o “tenente novinho”.

Bem, uma das sortes que tive no início de minha vida, ao ter a “grande expectativa” de ser um soldado paraquedista ou fuzileiro naval era a de que aquele era o meu “entorno”, o meu “dia a dia” de jovem com sonhos. Então, por ter contato e ouvir as reclamações dos vizinhos “militares mais antigos”, seus sonhos e decepções, levei isso comigo carreira a fora e me ajudou significativamente ao longo de mais de trinta e cinco anos de serviço. Para os sargentos novos e os soldados aos quais eu liderava, eu era o “ala” (aeronave em formação militar de combate). Eu “voava na ala” deles e tinha uma boa noção do que eles precisavam, tinham expectativas ou decepções. Detalhe: Eu não era o “bom moço”! Saiu da linha, prejudicou o desempenho do grupo, o “cascudo descia”.

Com o tempo, descobri que apenas “ouvir” com atenção a o que um colaborador tem a dizer, sua opinião, ou visão (ainda que não seja uma solução pertinente) já o fazia sentir considerado, “incluído”, ajudava a despertar nele o senso de “belongingness”.

Mantive esse perfil ao longo da carreira. Quando voltei à mesma organização para comandar, ao longo de dois maravilhosos anos, consegui melhores resultados, pois daquela vez podia influenciar diretamente nos recursos, na insalubridade e nas condições, apesar de não eliminar, apenas mitigar.

Fazia questão de “alinhamento” todos os dias. Fazia questão de ouvir e de fazer alguém ser ouvido. Como sempre dizia, um mantra em nossa caserna: “O comandante ouve a todos, mas no momento de decidir, ele está absolutamente só”. Só em suas responsabilidades como, também, em suas consequências.

Dessa maravilhosa experiência me ocorreu de escrever um artigo que está no meu Blog, na página do www.adastrapilot.com : “Amanhã a gente “valta”! Essa frase que ouvi de jovens soldados emoldurou todo meu esforço. Foi, de fato, um prêmio.

Até hoje lembro com carinho e gratidão da maioria daqueles colaboradores, pois foi por intermédio de suas dedicações em meio a severas condições de ambiente, de ergonomia e de trabalho, que consegui alcançar maiores desafios de carreira que jamais imaginava. Naqueles saudosos dias encerrava a jornada de trabalho com o nosso grito de guerra: “Poxy Poyí! Guerreiro Poti!”.


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