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Foto do escritorJefferson W. Santos | Ad Astra

Olho no mar, olho no pano e pouco leme.



O artigo propõe-se a fazer uma analogia entre minhas experiências empreendedoras nas organizações onde trabalhei e a “sabedoria” prática de pescadores que, com suas frágeis embarcações, adentram no mar para, de lá, tirarem seu sustento retornando com segurança à terra firme. Uma singela proposta para a travessia segura de tempos turbulentos à frente.


Meu primo Sílvio, jangadeiro em Itamaracá, Pernambuco certa vez me levou para passear de jangada em alto-mar. Naquele belo cenário contou-me muitas estórias e histórias. Do que ele dizia, o que mais me chamou a atenção foi sobre a “ciência” dos pescadores em suas manobras de saída da praia e em alto-mar. Guardei nosso longo diálogo durante muitos anos de minha vida pessoal e profissional, sobretudo quando precisei tomar decisões profissionais delicadas.


Os relatos abordavam não só a experiência agregada dos experientes homens do mar, como também, sublinhavam a prudência como postura comum entre eles sobretudo em situações inéditas, complexas e, até, conflituosas.


Marinheiro, mar revoltado, saídas dos portos com neblina ou com mar agitado, pedras, vento forte, manobras com zelo e prudência formam o complexo cenário que lhes é habitual. Sob estas circunstâncias o marinheiro experiente antes de desatracar do porto avalia o mar, que é o ambiente no qual ele e o barco estarão inseridos.


Contemplando a vela, ele verifica suas condições, pois ela lhe dará a propulsão e a velocidade à frente. O pano da vela também auxilia na manutenção da direção e também contribui para o controle da velocidade.


Com meticulosa avaliação, o marinheiro verifica a integridade do pano, das amarrações e considera seu grau de resistência (resiliência). Confere, também, toda firme amarração das partes soltas do barco.


Por fim, diante do cenário à frente ele, sempre com cautela, manobra o leme com habilidade, destreza e, sobretudo, com prudência, abandonando o porto rumo ao alto mar.


Assim, conhecendo a trilha que evitará as pedras, recifes de coral e outros obstáculos, consegue singrar, com segurança, as turbulentas águas.


Este é o cenário cotidiano de pescadores e suas frágeis embarcações com as quais seu sustento é garantido. O barco se assemelha, guardada as devidas proporções, a uma organização. Valho-me, portanto, desta metáfora para traçar minhas considerações acerca da liderança nas organizações brasileiras em tempos difíceis que, à frente, teremos.


Ao longo de minha carreira como gestor ao vivenciar novos desafios lembrava-me daquele diálogo. A segurança que buscava em minhas decisões advinha das reflexões sobre as similaridades da destreza e da experiência do marinheiro.


Farei uma correlação entre os métodos para as decisões que tomava com a o que absorvi da “ciência dos marinheiros”: O conhecimento profundo da missão e o domínio das competências e dos recursos organizacionais assemelhavam-se àqueles que o marinheiro dispunha para prosseguir confiante para o alto-mar.


Esse olhar introspectivo crítico e honesto, da organização, de suas competências e dos recursos equivalia às avaliações que o marinheiro fazia do barco e a integridade e o funcionamento de seus equipamentos.


E o que equivaleria ao “mar”, turbulento e caudaloso que o velho marinheiro tem a sua frente? Equipara-se ao cenário econômico atual que atravessamos. Além de delicado e complexo ele perdurará por algum tempo.


Da mesma forma que ele trocava experiências com os demais marinheiros, antes de iniciar algum importante projeto, procurava agir de forma semelhante. Buscava a maior quantidade de informações possível e mantinha-me aberto a novas ideias, outras opiniões sobre os desafios diante de mim. Assegurava, com essa postura, a discussão e a reflexão sobre melhores práticas para tentar diminuir os impactos das dificuldades e desafios.


A experiência para ser avaliar as condições do mar sugere a reflexão sobre as novas condições socioeconômicas. Dentre elas evidencia-se a retração ao crédito que reduzirá, substancialmente, a capacidade de compra do cidadão, o cliente. Por extensão, a capacidade de investimentos da empresa, dos fornecedores, dos parceiros e, eventualmente, dos concorrentes também sofrerá reduções. Fazer muito e bem feito mediante pouca folga orçamentária será o cenário ( o “alto-mar”) que prevalecerá por muito tempo.


O enfrentamento das turbulências do vasto oceano será com o barco e com seus equipamentos, da mesma forma com os recursos que a organização possui. A produtividade e a eficiência deverão ser os mantras a se impregnarem e se enraizarem em todos os níveis e setores na vida corporativa em todas organizações, sejam elas públicas ou privadas.


Os recursos materiais e os equipamentos precisarão ser atualizados e completados. A irregular qualidade no fornecimento de energia elétrica e as sofríveis condições de nossas estradas ao longo do território nacional deverão impor desgastes de toda ordem no acervo logístico das empresas. Esses custos esvaem outros que são essenciais para a sobrevivência de quase todas empresas, bem como, a única forma de inserir-se e manter-se em um ambiente de densa e acirrada competitividade global.


Assim como o marinheiro conhece as competências do barco, os líderes setoriais deverão desenvolver uma visão periférica para entender os desafios e as restrições socioeconômicas -nacional e internacional- e a intensidade com a qual impactam cada setor. Convém, também, entender a interferência de tais impactos no mercado, no segmento econômico mais imediato no qual sua organização se insere, nos parceiros, fornecedores e clientes.


A identificação das restrições conjunturais e estruturais auxiliarão, sobremaneira, na elaboração e na proposição dos planos de ação que permitam, na sua realização considerando tal cenário, aumentos de produtividade e de eficiência com, se possível, baixos custos.


Comparando-se o mar com suas turbulências e a forma de enfrentamento com as competências e recursos que o marinheiro dispõe com a analogia aos novos desafios organizacionais, o líder deverá estimular, em todos os níveis da organização uma visão sistêmica das atividades setoriais de forma a considerar os distintos planos de ação, em suas peculiaridades, de cada setor estimulando uma interação positiva. Permite-se, dessa forma, que cada setor contribua no plano de ação de sua unidade organizacional.


Já para se desenvolver uma consistente visão contextual, uma boa sugestão é o uso dos veículos de comunicação com o incentivo de redes sociais e fóruns entre colaboradores, fornecedores e parceiros. Com isso permite-se a troca de informações e debates sobre os eventos socioeconômicos na medida que eles surjam ou evoluam. Será possível avaliar o potencial de interferência nas atividades de sua organização, dos parceiros e dos fornecedores.


Essa prática salienta o estimulo aos diálogos constantes entre os setores. Informações de qualidade ajudarão o desenvolvimento de uma visão prospectiva, ponderada e madura, acerca da evolução dos fatos e como eles poderão interferir na capacidade desempenho de cada setor. Por intermédio de acordos e de negociações, o líder deverá se antecipar com linhas de ação consistentes e que sejam bem aceitas pelos demais setores de sua organização.


Essa forma de gestão é essencial uma vez que os trabalhos ou atividades a serem desempenhados, em qualquer setor de uma organização, fazem parte de um todo mais abrangente que se amplia além dos limites físicos do setor ou divisão onde você trabalha.


Elas irão se integrar a outros setores, uma vez que há uma dependência e sinergia sistêmica entre as atividades, sejam operacionais ou administrativas.


Para se entender este complexo cenário organizacional ajuda fazer uma analogia com uma trilha, em meio a muitas bifurcações, correntes submarinas, variações de vento e de marés, que se seguida fará a jornada segura. A estratégia a ser empregada requer percepção, entendimento e respostas pertinentes aos inputs que o macroambiente impõe a qualquer atividade gerencial ou projeto, seja ele de curta ou média duração.


Considerando-se o cenário acima, para o marinheiro e eficiência e a produtividade são os resultados práticos das atividades cotidianas dos pescadores. A correlação de estabeleci ajudou-me ao longo da carreira a desenvolver uma ampla visão de contexto.


Neste intuito procurava, diariamente, agregar mais conhecimento sobre todos os detalhes da operação do negócio onde trabalhava. Definia a missão principal e a partir desse conhecimento minhas ações e decisões tornavam-se mais objetivas, seguras e permitia ações mais eficientes com redução de retrabalho e custos.


Sugiro, portanto, o desenvolvimento da visão de contexto, ou seja, procurar conhecer bem o negócio de sua empresa e de seu setor, o mercado no qual está inserido e as influências do macroambiente na consecução dos objetivos da empresa ou organização.


Do fato de o jangadeiro trocar experiências, informações e impressões com os demais, conduz a um conhecimento mais comum para usarem novas formas e vencer as dificuldades nos desempenhos organizacionais. Portanto, a partir do que se conhece por interação e trocas, é possível saber quais são os setores que irão influenciar o seu desempenho, saber quais são os atores externos (fornecedores, parceiros, agentes intervenientes) que irão facilitar ou dificultar os objetivos organizacionais.


Da mesma forma que o marinheiro se antecipava às mudanças nos ventos e na maré, o controle de métricas pelo acompanhamento, passo a passo, do desenvolvimento das atividades e da consecução de metas organizacionais torna-se fundamental para a eficiência e o sucesso.


Prudência, sensatez e proatividade serão competências chaves para a conquista do sucesso no fim do exercício físico-financeiro da organização. As partes distintas de uma organização são ordenadas de forma coerente em uma disposição física e cronológica, para que a consecução de metas e dos objetivos aconteça com uma menor quantidade de atritos funcionais, perdas e retrabalho que, por sua vez também caracterizam a ineficiência e a baixa produtividade.


Em meio a um cenário economicamente instável é de fundamental importância que seus colaboradores também entendam o que está ocorrendo e estejam sinceramente aderentes aos caminhos que você irá apontar. Essas linhas de ação estarão alinhados com as novas estratégias que a alta direção de empresa irá definir, acompanhar de perto e cobrar.


Os principais desafios que se assemelham a turbulência das marés são as condições estruturais que permitem geração de emprego e de arrecadação, com um consistente e estável aumento de recursos financeiros.


Ocorre que esses recursos já vêm sendo comprometidos nos últimos vinte anos: Estradas, redes de geração e de distribuição de energia elétrica e de telecomunicações encontram-se em condições inadequadas, quando não, sofríveis.


Para se ser ágil e enxuto na disponibilidade de bens de insumo de produção, o uso em tempo real de sinais de celular e a boa qualidade de telefonia são fundamentais, seja para pedidos ou para acompanhamentos na circulação dos produtos que, por sua vez, também são base para a composição de outros itens de produção. Para esta circulação em tempo oportuno, estradas precisam ser transitáveis e com segurança o que, em sua expressiva maioria, não são.


A prudência de se olhar o “mar” -muito a propósito da ânsia por inovação- requer refletir se as empresas fornecedoras, as parceiras e os demais setores, todos com planos de ação já apertadíssimos, terão condições de modificar seus planejamentos no meio do exercício financeiro para arriscar a produção de algo que não se tem certeza de que vai ser consumido posto que, para se compensar e valer a pena tem que se produzir em larga escala.


Portanto vale considerar que a inovação passa antes, e necessariamente, por uma profunda e sincera radiografia de competências pessoais, setoriais e organizacionais considerando, claro, a capacidade de as empresas da cadeia produtiva sustentarem novos projetos. Sendo o resultado dessa análise franco e consistente, empresários e colaboradores poderão vislumbrar em que patamar sua organização se encontra. Assim, a possibilidade de se aventurar comprometendo o futuro, se reduz substancialmente.


O desenvolvimento de tais competências e o sucesso na sua gestão somente ocorrerão se as atividades forem desenvolvidas de forma integrada com os setores envolvidos e com farta e constante comunicação disseminada entre os setores internos, os fornecedores e os parceiros.


Lembre-se que para se obter êxito, com alta produtividade e eficiência, somente quando todos demais atores da organização, da mesma forma, se desenvolverem em condições de igualdade para alcançar o merecido sucesso.


Resta-lhe, portanto, enfrentar o turbulento mar com serenidade e confiança.


E como bem disse o compositor Paulinho da Viola no samba “Tá legal!”...

“Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar.”



Esse é um artigo original do autor e professor Jefferson Wanderley dos Santos retirado do livro “Empreendedor Total”, pg 167 a 174 – Literare Books. Em caso de compartilhamento ou utilização desse material, favor dar os devidos créditos.

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